Último treino antes do grande jogo

11/12/2019

Às vésperas dos vestibulares, alunos se aprofundam nos critérios de avaliação e nas estratégias mais adequadas para cada modelo de prova.

Faltavam menos de quatro meses para o Enem quando a turma de concluintes do Vital Brazil veio ao Colégio em plenas férias de julho, sacrificando a última semana de descanso por alguns dias a mais de aula. Tendo como foco os processos seletivos de fim de ano, o Programa Especial de Férias da 3ª série é oferecido desde 2014 – sempre facultativo, sempre um sucesso. “Todo mundo vem”, garante André Rebelo, coordenador do Ensino Médio, sem surpresa. Na reta final da jornada escolar, toda ajuda é bem-vinda para quem busca uma vaga em boas universidades.

De certa forma, porém, a maior qualidade do Programa está no que ele não é. Não se trata de uma semana para se abordar conteúdos extracurriculares e enriquecer o repertório da turma. “A essa altura do campeonato, o tempo de exposição acabou”, afirma André. O que ainda dá para fazer, diz o coordenador, é praticar a aplicação do conhecimento já adquirido, por meio de uma imersão em exames de anos anteriores – especialmente os da Fuvest (Fundação Universitária para o Vestibular), que seleciona para a USP (Universidade de São Paulo), e o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). “É como treino de véspera de partida, em que o jogador fica praticando bater pênalti”.

“Bater pênalti”, no caso, significa uma análise profunda que os professores fazem junto aos alunos, não apenas dos assuntos que costumam “cair” nos vestibulares mas de como cada prova trabalha esses assuntos, quais os critérios de avaliação e as melhores estratégias de resolução. Trata-se de uma preparação do vestibulando que vai além do conteúdo de vestibular.

Professor e assessor de Língua Portuguesa, Tiago Gomes dá exemplos do tipo de orientação que passa aos alunos: “A prova de Literatura da Fuvest tradicionalmente cobra questões que envolvem a análise de um personagem secundário das obras literárias pedidas”. Como diz Tiago, a lista das obras de cada vestibular é de conhecimento público; chamar a atenção para os personagens coadjuvantes, no entanto, é algo que vem da experiência do professor. “Nós buscamos saber como cada prova é formulada, quais os temas e abordagens. Se a Fuvest dá grande peso aos pronomes, analisamos questões de pronomes com a turma”.

Outra orientação diz respeito às redações. “Não adianta saber dissertar, é preciso dissertar dentro do modelo cobrado em cada universidade”, diz o professor, que discrimina três tipos de redação para os quais o aluno tem de estar preparado: o modelo Enem; o modelo Fuvest; e o modelo Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), que costuma propor formatos mais criativos de texto, como a redação de uma carta ou palestra. Tendo participado de bancas de avaliação do Enem e estudado a fundo os outros modelos – em 2016 ele fez um curso na Unicamp especificamente sobre a prova –, Tiago deixa claro saber mais do que revela à reportagem, mas reserva para os alunos as dicas que podem fazer a diferença entre uma redação nota 800 e uma nota 1000. “Não vou entregar o ouro”, diz, bem-humorado.

Definindo estratégias
Outro ponto trabalhado no Programa de Férias envolve a gestão do tempo e da atenção dedicados a cada questão de prova. Isso porque, a depender dos critérios, um erro custa mais caro que o outro.

“É preciso prestar atenção nos comandos de uma questão para saber o grau de dificuldade. Uma questão que pede para citar exemplos de alguma coisa é menos exigente do que uma que pede para descrever ou explicar algo”, diz o aluno Thiago Ajej. Sua colega Camila Kawase também comenta como os professores ensinam a identificar distratores – as alternativas incorretas de uma múltipla escolha – e a diferenciá-los pelo nível de incorreção.

Tais habilidades importam não só para que o aluno se prepare para os problemas mais difíceis, mas também porque, curiosamente, são os mais fáceis que podem causar maiores danos à nota final. “Para o Enem, errar uma questão fácil faz perder mais ponto”, diz Camila, referindo-se ao método de avaliação chamado Teoria de Resposta ao Item, adotado pelo Enem (mas não pela Fuvest) como forma de garantir que o candidato acerte por saber, de fato, a resposta, e não por “chute”.

A valorização crescente do Enem como processo seletivo, aliás, inspirou mudanças no Programa Especial de Férias deste ano. Após quatro dias de aulas focadas na Fuvest, a sexta-feira foi dedicada ao exame, com os professores dando aulas conjuntas, por blocos de conhecimento (que é como as provas do Enem são estruturadas).

“O mais rico do processo foi mostrar os vários pontos de contato entre as áreas do conhecimento”, diz Michele Rodrigues, professora de Sociologia e Geografia e assessora de Ciências Humanas, que deu uma aula em parceria com os professores Tiago, de Língua Portuguesa, e Carlos Daniel Vieira, de Literatura. “Por exemplo, que diálogos se estabelecem entre O Cortiço, de Aluísio Azevedo, e as demandas socioeconômicas do Brasil no começo do século XX?”.

Para Michele, mais importante do que responder a questões específicas como essas era fazê-los perceber os vários níveis de domínio cognitivo exigidos por diferentes questões. Perceber, por exemplo, que lembrar-se de uma informação (conhecimento) é mais simples do que relacionar informações de natureza distinta (síntese), que é mais simples do que fazer um juízo acerca de algum tema (avaliação). “Saber o que se espera de você, por meio da leitura cuidadosa do problema, ajuda a saber o nível de resposta exigido”, diz a professora.

Segundo Thiago e Camila, lições como essas não são exclusivas do Programa de Férias, já tendo sido passadas para eles desde a 1ª série do Médio. “Mas é um momento importante para a gente relembrar e consolidar tudo isso, agora com mais maturidade”, diz Thiago.

Já André Rebelo lembra que, embora o tempo de exposição a conteúdos novos tenha acabado, os últimos meses do ano escolar ainda servem para os alunos perceberem seus pontos fortes e fracos. E, sabendo deles e de como funcionam as avaliações, definirem suas estratégias. Praticar pênaltis, diria o coordenador, para garantir o gol.