Psicomotricidade: o conhecimento toma corpo
26/10/2018
À primeira vista, parece pouco desafiador. Imagine a cena: uma sala de aula do 2º ano do Ensino Fundamental; a professora dita algumas frases e as escreve na lousa; os alunos as copiam em seus cadernos. Parece simples, não? No entanto, considere o que cada aluno tem de fazer para executar a tarefa com qualidade.
Manter-se sentado na cadeira, o corpo em equilíbrio. Segurar o lápis da forma correta e exercer a pressão exata no papel, nem tão forte que possa rasgá-lo, nem tão fraca que não possa riscar. Deslizar a mão da esquerda para a direita em bom ritmo, girando o punho no sentido horário ou anti-horário, ou em movimentos que exijam a combinação de ambos; desenhando letras ora grandes, ora pequenas, mas sempre dentro dos limites impostos pelas linhas do caderno. Coordenar o trabalho de braço e mão com movimentos da cabeça, que se ergue para a lousa e se abaixa para o caderno. Isso para ficar só na parte motora da tarefa. Ainda é preciso controlar a vontade de fazer qualquer outra coisa e se concentrar na professora. Ouvir e compreender o que ela diz.
O que parece simples é, na verdade, um procedimento que requer da criança várias habilidades combinadas e apenas recém-adquiridas. E, quanto mais claramente a professora perceber todos os elementos envolvidos no processo, melhor fará seu papel de mediadora da aprendizagem.É por isso que a Educação Infantil e o Fundamental do Vital contam com um apoio especializado do professor Carlos Rossi. Além de dar aulas de Educação Psicomotora do Maternal ao 1º ano, Carlos tem ministrado workshops à equipe de professoras regentes e produzido materiais didáticos para ajudá-las a conduzir suas aulas com olhar atento ao desenvolvimento psicomotor dos alunos – em especial no que se refere à grafomotricidade, o conjunto das funções necessárias à escrita.
Como explica o professor, a Psicomotricidade visa ao desenvolvimento dos campos motor, emocional e cognitivo de forma equilibrada. Não são campos independentes, enfatiza: “O ser humano não é fragmentado; foi-se a época em que se acreditava que a cabeça faz uma coisa e o corpo outra”. Em outras palavras, se um aspecto não for adequadamente estimulado, o outro pode sair prejudicado. Por outro lado, se bem planejada e conduzida, uma brincadeira entre colegas terá efeito em seu rendimento acadêmico – por exemplo, na aquisição da escrita –, bem como em sua autoestima e sociabilidade. O que Carlos tem feito é prover as professoras do Maternal ao 3º ano de fundamentos teóricos e instrumentos, para torná-las mais eficazes em observar e promover, em cada aluno, o equilíbrio esperado.
O corpo aprende
“É um trabalho muito importante, porque a criança de hoje tem outro tipo de brincar”, diz Káthia Kobal, coordenadora pedagógica da Educação Infantil e do Fundamental I. Segundo Káthia, o “brincar” de gerações anteriores – no quintal, na rua – promovia maior interação entre a criança, o meio e os amigos, integrando habilidades motoras, cognitivas e socioemocionais. Hoje, fatores culturais e sociais levam as crianças a passar mais tempo interagindo com aparelhos eletrônicos – o que, em geral, não é tão rico quanto as brincadeiras tradicionais. Até porque, como nota Carlos, o corpo está menos envolvido.
“O corpo é ferramenta de aprendizagem”, diz o professor, explicando que, nos primeiros anos, todo conhecimento adquirido é fruto de um processo concreto, vivenciado. É entrando numa caixa, por exemplo, que uma criança aprende o que é “dentro” e “fora”. É pulando corda que ela aprende “em cima” e “embaixo”. Ao ensinar os números, mostrar um oito para a criança é pouco; é importante fazê-la caminhar por um percurso em forma de 8, para que internalize o que desenhará na areia com os dedos ou no caderno com o lápis.
Da mesma forma, é por meio de vivências corporais diversas ao longo da Educação Infantil que a criança adquire o equilíbrio, a dominância lateral (a definição se é destra ou canhota), o controle de sua força, a direcionalidade de movimentos, o ritmo, as habilidades de praxia fina e todas as demais que, mais tarde, ao concluir o 2º ano, utilizará durante o ditado de sua professora. É ao final desta série que se espera que o aluno tenha consolidada a escrita em letra cursiva. E, se as aulas de Educação Psicomotora cumprem papel fundamental na promoção dessas habilidades, as outras aulas não ficam atrás.
É o que conta a professora Ana Paula Martins, do Pré II: “Em uma atividade de recorte, uma aluna ficava trocando a tesoura entre as mãos esquerda e direita. Ela não tinha qualidade de movimentos, já que não aprimorava nenhuma das duas”. Ana Paula soube identificar o problema e intervir. “Passei a me aproximar dela e a questioná-la: ‘Que mão você vai usar? Você está se sentindo bem com essa? Com qual das duas você acha que o recorte fica melhor?’”. Ao chamar a atenção da aluna para o que esta fazia com as mãos irrefletidamente, a professora a fez agir com intencionalidade, ajudando-a a consolidar aquela habilidade em seu repertório motor e cognitivo. É essa tomada de consciência sobre os próprios movimentos que torna a criança capaz de atos voluntários, aqueles para os quais ela precisa elaborar previamente uma representação mental do que vai fazer (e que, mais à frente, pela repetição, se tornam automáticos).
Além disso, as professoras contam com um portfólio de fichas de atividades que o professor Carlos produziu para treinar as habilidades grafomotoras dos alunos, com exercícios como “passar o lápis com força sobre a linha tracejada” ou “fazer movimentos circulares para o lado esquerdo”. Um material adaptável, com fichas avulsas, que as professoras, agora capacitadas pelo olhar da Psicomotricidade, saberão atribuir a cada aluno de acordo com sua necessidade.