Assumindo as rédeas da vida

11/12/2019

Ao longo dos anos de escola, conquistas graduais marcam o caminho para a autonomia do estudante.

Em agosto, pesquisa feita com alunos do 9º ano do Vital Brazil buscou descobrir, entre outras questões, o que cada um entendia ter aprendido até aquele momento. Entregues por meio de questionários privados, várias respostas tocaram num ponto comum, que dizia respeito menos ao conteúdo das disciplinas e mais a outro tipo de aprendizagem.

“Achei a forma de estudo que melhor se aplica ao meu aprendizado”, escreveu uma aluna. “Aprendi a ter mais responsabilidade e descobri o que eu gostava de verdade”, escreveu outra. “Aprendi sobre mim e a me conhecer melhor”, escreveu um terceiro (os grifos são nossos).

A recorrência desse tipo de depoimento entre alunos às vésperas do Ensino Médio não é inesperada. Uma das principais expectativas de desenvolvimento para a última etapa escolar é a consolidação da autonomia do estudante. Autonomia que vem com a autodescoberta, quando o adolescente toma consciência do que é melhor para si, do que quer para sua vida e do que precisa fazer para avançar.

Até esse momento, contudo, é um longo processo, que começa lá atrás e avança individualmente, no ritmo de cada aluno, com escola e família atentas para os marcadores de autonomia conquistados ao longo de seu desenvolvimento – da primeira ida ao banheiro sem a companhia de um adulto às primeiras leituras, às primeiras provas, até a escolha de uma faculdade.

Descobrindo-se indivíduo
“Eles chegam para nós bem crus”, diz Carina Costa, que, como professora do Maternal, proporciona aos alunos alguns dos primeiros aprendizados que eles terão sobre o mundo e sobre si mesmos. Nessa fase, rotinas bem estruturadas (hora do lanche, hora do recreio, roda de história, etc.) servem para semear na turma hábitos que, mais tarde, cada criança aprenderá a executar autonomamente – não mais pela obediência a um comando, mas pela compreensão do seu valor. Carina cita exemplos: “Lavar as mãos antes de comer, escovar os dentes depois, jogar restos do lanche no lixo, guardar os pertences na mochila…”

No entanto, se as rotinas ajudam a suscitar nos alunos comportamentos desejáveis à convivência em grupo, a autonomia diz respeito, sobretudo, à individualidade – o que apresenta outro desafio. Dado um aparato neurológico ainda em formação, a própria noção de “eu” leva tempo para se consolidar na criança. Mas as atividades planejadas para essa fase contribuem para que os alunos exercitem a expressão de suas vontades e preferências pessoais.

O projeto Cantos Pedagógicos, por exemplo, consiste basicamente em proporcionar às crianças momentos de livre brincar, para que escolham como querem se divertir, se sozinhas ou com colegas, entre ambientes diversos, providos de brinquedos e outros recursos lúdicos. Já o projeto Vale a Pena Ler de Novo estabelece uma eleição semanal, para que, toda sexta-feira, cada aluno possa votar qual das histórias lidas pelas professoras, de segunda a quinta, merecerá uma reprise.

Até o mobiliário de sala de aula, diz Vanessa Inagaki, coordenadora assistente do Ensino Fundamental I, concorre para a construção progressiva da autonomia. “No Maternal, temos mesas coletivas para seis alunos; no Pré I, para quatro; no Pré II já são mesas individuais”, diz Vanessa. “Essa mudança reflete o amadurecimento da individualidade dos alunos”.

De aluno a estudante
Avançando para o Ensino Fundamental, novas responsabilidades os aguardam – mas nada é feito de forma abrupta. Professora do 2º e 3º anos, Márcia Vieira explica como o processo é conduzido gradualmente com o exemplo da aplicação de provas, a partir do primeiro trimestre do 2º ano: “Primeiro, eu leio para a turma questão por questão, dando tempo depois de cada uma para que eles respondam. Por volta do segundo trimestre, eu já leio uma página inteira da prova, com mais de uma questão, dando tempo para eles responderem antes de passar para a próxima página. No terceiro trimestre, eu já leio a prova toda de uma vez, e só então eles começam”, diz a professora.

O que motiva tal estratégia? A resposta está na autonomia leitora dos alunos, que, ao iniciar o 2º ano, acabaram de ser alfabetizados. Quando a professora lê uma questão por vez, ela garante que todos entendam o desafio e possam resolvê-lo de imediato; mais adiante, ela lê a prova inteira de uma só vez porque, se um aluno precisar, ele pode voltar à leitura de qualquer questão por conta própria. “Na metade do 3º ano, eu já não leio mais nada”, diz Márcia.

As lições de casa também são bons marcadores do protagonismo do aluno sobre sua vida escolar. Nos anos iniciais, Márcia ainda espera que os pais se habituem a abrir a agenda dos filhos, para ver as lições passadas – e os ajudem, se necessário, mas nunca fazendo a lição por eles, e sim com eles! No 5º ano, porém, a professora Ana Paula Piola já recomenda que os pais se afastem do processo. “Se o filho não fez a lição, não resolva para ele de última hora; deixe vir para a aula sem a lição, deixe que fique registrado, para ele tomar consciência das consequências. Ninguém vai perder nota ou ser reprovado por não entregar uma lição, mas o registro é importante”, diz Ana.

O próprio hábito de agendamento das lições é um aprendizado do aluno no caminho da autonomia. Ao longo do Fundamental I, as professoras regentes ainda orientam explicitamente a turma para isso (“Vamos anotar na agenda?”); a partir do 6º ano, com professores diversos e maior número de lições, é importante que cada aluno assuma a responsabilidade sobre seus compromissos. “No 6º e 7º anos, habituamos as turmas a manter uma agenda semanal escrita no canto da lousa, preenchida pelos representantes de classe, para todos verem. É uma forma de adaptação gradual”, diz Roberto Leal, coordenador do Fundamental II.

Outra evolução esperada é que os alunos comecem a administrar os próprios percalços, sejam notas baixas, sejam conflitos com colegas, sem precisar recorrer sempre aos pais. Como diz Roberto, “quando algum pai nos liga relatando uma queixa do filho, a pergunta que fazemos é: ‘Seu filho já falou com o professor sobre isso? Ou com o colega?’ Nossa ideia é sempre, primeiro, tentar resolver com o próprio aluno”.

O coordenador ressalta, porém, que as portas do Colégio estarão sempre abertas às famílias. Até porque, como nota Káthia Kobal, coordenadora da Educação Infantil e do Fundamental I, o olhar dos pais é essencial na construção da autonomia dos filhos. “A régua da autonomia não é universal, cada aluno tem seu ritmo”, diz Káthia. “Por isso, nossas reuniões com as famílias são formadoras, ajudam os pais a entender e a observar o amadurecimento dos filhos”.

Seja como for, idealmente é no Ensino Médio que todo esse processo se consolida, culminando em escolhas que o jovem levará para além da escola, como a do caminho profissional e acadêmico. Também aqui o Vital se coloca ao lado do aluno – não escolhendo por ele, diz o coordenador André Rebelo, mas o ajudando a “trabalhar a angústia da escolha”, orientando-o a pesquisar possíveis faculdades e carreiras. Então, ele não precisará mais ser orientado sobre como proceder nos estudos, já tendo encontrado os ritmos e hábitos mais eficientes e condizentes com sua personalidade. Terá deixado de ser um “aluno”, diz André, para se tornar um “estudante” autônomo e capaz.