A lógica da brincadeira

13/12/2018

Os alunos da professora Carina Costa não têm mais do que três anos de idade. Sentados em roda, eles veem a professora do Maternal colocar no chão um cartaz com a foto da piscina de areia que há no pátio da Educação Infantil. De uma sacola, ela tira tampinhas de garrafa que servirão de peças para a brincadeira. Coladas em cada tampinha, fotos dos próprios alunos. “O Artur, a Sofia e a Bruna estão brincando na piscina de areia”, diz Carina, pondo as respectivas peças sobre o cartaz. “O Mateus também quer entrar, mas não cabe todo mundo; quem pode sair e dar o lugar a ele?”

A brincadeira avança com a professora propondo novas situações ao grupo, em outros ambientes do Colégio: sala de aula, banheiro, brinquedoteca… Não há regras fixas nesse Jogo dos Cenários, como a professora o batizou. Mas, para participar, os alunos têm de operar uma abstração que ainda não lhes ocorre naturalmente: Eu sou a peça, a peça sou eu. Seus rostos colados nas tampinhas facilitam a identificação simbólica, necessária a este e a outros jogos aos quais serão apresentados durante a Educação Infantil e o Fundamental I. Jogos que serão usados para trabalhar conteúdos pedagógicos – no caso do Jogo dos Cenários, por exemplo, o Maternal está lidando com conceitos como mais e menos (pessoas), dentro e fora (da piscina), entre outros – e para que os alunos exercitem operações mentais essenciais, como o pensamento abstrato, a resolução de problemas e o raciocínio lógico. Reconhecer-se numa tampinha é só o primeiro passo de uma longa e divertida jornada.

“O jogo é uma abordagem metodológica para o ensino de conteúdos gerais, mas se intensifica quando direcionado ao conteúdo matemático”, diz Larissa Coêlho, professora do 5º ano do Ensino Fundamental do Vital, mestre em Educação Matemática pela PUC-SP.

Faz sentido que seja assim. Como um jogo, a Matemática consiste em resolver desafios – descobrir valores ocultos, encaixar objetos em espaços limitados, calcular o trajeto mais curto entre dois pontos, etc. –, obedecendo a regras inegociáveis. Não se trapaceia na Matemática: dois mais dois sempre serão quatro, a soma dos ângulos de um triângulo sempre será 180º, o comprimento de qualquer circunferência sempre será 3,14 vezes o seu diâmetro.

Também como um jogo, a Matemática recompensa o treino. Quanto mais se lida com símbolos, mais se é capaz de manejar proposições inteiramente abstratas, como, por exemplo: X = Y2. Quanto mais se pratica o raciocínio lógico – se isto, então aquilo –, mais se é capaz de formular cadeias complexas de causalidade e probabilidade, como um enxadrista antecipando os movimentos do adversário em vários lances. Como diz Angélica Tironi, professora do 4º ano e assessora de Matemática do Fundamental I: “Todo aluno tem capacidade de desenvolver o raciocínio lógico; não é como dom artístico”.

O ponto-chave, diz Larissa Coêlho, é fazer com que o aluno exercite o pensamento lógico-matemático, preservando o caráter lúdico das brincadeiras e jogos adotados para tal fim. “Não podemos aplicar o jogo de qualquer jeito; há uma intenção pedagógica que devemos contemplar, sem que o aluno perceba”, diz ela.

Os desafios de cada um
Na sala de aula do Maternal, cadeiras dispostas em fileiras se transformam no interior de um ônibus. No papel de condutora, a professora Carina informa: “O ônibus quebrou, o que vamos fazer?” As crianças dão sugestões (vamos a pé; conserta) e discutem suas ideias em grupo (é muito longe; falta ferramenta; chama o mecânico). A professora é quem conduz o debate a campos mais produtivos, é claro, mas, a seu modo, o faz de conta é tão desafiador para o Maternal quanto um quebra-cabeças lógico o é para alunos mais velhos.

Duas séries adiante, alunos do Pré II se divertem com a Trilha do Camilão, jogo inspirado em um personagem de livro infantil. Sob o olhar da professora Ana Paula Martins, eles jogam sem se dar conta de estarem conhecendo os numerais e começando a compreender o conceito de adição: “Se o aluno está na casa 3 e tira 3 no dado, ele tem de saber avançar a peça até a casa 6”, diz Ana Paula.

Quatro anos depois, no 4º ano, esse mesmo aluno realizará operações aritméticas com desenvoltura, em um jogo observado pela professora Angélica. O objetivo é formar expressões aritméticas com três números
sorteados pelos dados. Se o aluno tira 1, 4 e 3, ele pode, por exemplo, formar: 1 + 4 + 3 = 8. Ou: 1 + 4 – 3 = 2. Ambas as respostas estão corretas, mas cabe à professora induzi-lo a se desafiar cada vez mais. “Eu tenho um olhar diferenciado para cada aluno. Se ele fica parado no + +, eu posso intervir: ‘Você já usou adição, vamos tentar uma subtração? E multiplicação?’”, diz. Sua mediação é tanto para atender ao objetivo pedagógico do jogo como para manter o aluno estimulado. “Quando ele entra no automático, é sinal de que já aprendeu; aí temos de ir aumentando o desafio”.

Em comum a todas essas atividades, há crianças tentando solucionar problemas – consertar um ônibus, chegar primeiro ao fim de uma trilha, formar operações –, seguindo regras. Há também, e isso é fundamental para o projeto pedagógico, a prática do registro das experiências.

No Vital, cada jogo proposto tem a etapa de apresentação das regras, outra do jogo propriamente dito e outras em que os alunos discutem e registram o que concluíram da experiência. Isso desde a Educação Infantil, quando os registros podem ser apenas desenhos feitos pelos alunos. É uma prática que os ajuda a compreender e a fixar o conceito das regras – o que houve? por que perdi? – para, mais à frente, dar o passo seguinte: dadas as regras, o que posso fazer para vencer? Uma pergunta que resume o espírito com que saberão enfrentar, de maneira ética e lógica, grande parte dos desafios da vida.