A convivência por princípio
25/06/2019
Com base no diálogo, projeto dá a alunos a chance de resolver seus conflitos e construir, juntos, a vida em sociedade.
Os alunos da professora Carolina Leite se reúnem em círculo no chão, esperando sua vez de falar. A assembleia começou, mesas e cadeiras afastadas do centro da sala para dar espaço à turma inteira do 5º ano B. Um aluno é responsável pela ata do evento; outra aluna registra os colegas que erguem a mão para ir concedendo a palavra, um a um. É uma sessão ordenada, mas nada enfadonha.
A pauta inicial foi motivada pelas queixas de alguns alunos, de que nem sempre podiam escolher os amigos próximos para trabalhos em grupo. Um menino opina que, em trabalhos coletivos, cada pessoa pode trazer uma qualidade diferente à equipe. Uma menina pondera que é até uma chance de fazer novos amigos. Então um aluno expõe aquilo que, logo fica claro, está no centro das preocupações da turma: “Quero falar sobre fazer trabalho com meninas. Todo mundo vai trabalhar junto alguma vez na vida, meninos com meninas, e não é por isso que vocês estão namorando!”.
O restante da aula não será tempo suficiente para dar conta de todas as mãos erguidas. A maioria tem uma opinião ou relato para contar, sobre “zoeiras” sofridas ou testemunhadas.
Carolina ouve a todos com atenção, deixando-os falar livremente: “Interessante… Isso é importante, não é?” Em certo momento, percebe que uma aluna relata algo vivido por um amigo e recomenda: “Quando a gente está em assembleia, a gente evita falar o nome das pessoas, para não constrangê-las, entendem?”.
A sessão avança com novos relatos de alunos – pré-adolescentes que ainda estão aprendendo o que devem ou não dizer aos outros, como não magoar e não ser magoados –, mas a professora não lhes dá uma solução. “O que vocês diriam para o colega que está sendo ‘zoado’?”, pergunta Carolina. As sugestões vêm de todos os lados: não se importar com as chacotas; pedir aos provocadores que parem; falar com algum adulto.
“Quem pode anotar essas sugestões na lousa?”, pergunta a professora. “Agora, vamos fazer um combinado simples? Vamos combinar de não ficar chamando ninguém de namoradinho do colega?”.
Menos curativo, mais preventivo
A realização da assembleia não é um evento isolado no Vital Brazil. Trata-se do aprimoramento de um projeto concebido em 2017, focado em ajudar as professoras da Educação Infantil e do Ensino Fundamental I a mediar conflitos entre alunos. Em 2019, esse projeto deu um salto de qualidade.
Como conta a coordenadora pedagógica Káthia Kobal, o projeto surgiu de uma constatação. “Há dois anos, começamos a notar que algumas turmas de alunos vinham mais à Coordenação do que outras, por apresentarem mais problemas atitudinais e de convívio. Passamos a nos perguntar por que aquilo ocorria e se haveria alguma forma de garantir que todas as professoras estivessem igualmente capacitadas a mediar conflitos entre seus alunos”.
Para atingir esse objetivo, o Vital contratou a psicóloga Flávia Vivaldi, do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem), da Universidade Estadual Paulista (Unesp), que passou a ministrar encontros de formação a professoras, estagiárias e funcionários de pátio responsáveis pela Educação Infantil e pelo Fundamental I.
Desde então, a equipe tem sido mais habilidosa em condutas que atenuam, em vez de exacerbar, as situações de incivilidade, quando acontecem. Condutas como usar linguagem simples, descritiva e sem juízo de valor; priorizar a mediação em vez da arbitragem, dando aos alunos a chance de buscar soluções para os próprios dilemas (“O que podemos fazer agora? Como podemos agir diferente da próxima vez?”); validar os pontos de vista dos envolvidos, incentivando cada um a verbalizar seus sentimentos e a escutar os demais; entre outras práticas que, segundo Káthia Kobal, “já haviam reduzido os casos que chegavam à Coordenação”. Mas o projeto podia ser ainda mais eficaz.
“Em 2019, esse projeto será menos curativo e mais preventivo”, diz Káthia. Para ir além da resolução de divergências pontuais, ela explica que o objetivo é a construção de uma cultura de convivência ética, na qual as divergências,
caso ocorram, sejam mais bem compreendidas e administradas pelos próprios alunos, com base em valores e regras pactuados com todos. Regras como aquelas estabelecidas na assembleia da professora Carolina.
Para tanto, Flávia Vivaldi vem ministrando mais encontros de formação com a equipe pedagógica. Assembleias e rodas de diálogo com os alunos de 2º a 5º ano – que já aconteciam desde 2018 pontualmente, em alguns minutos de aula, quando havia a necessidade de se discutir uma questão com a classe – tornaram-se sistematizadas, tomando aulas inteiras a cada 15 dias (ou mais, se necessário). Mais concretamente, cada classe passa a ter na parede um painel de Convivência Ética, no qual são registrados os valores, os princípios e as regras do Colégio (inegociáveis, valem para todos) e também os combinados que cada turma negociar entre si. “Cada classe tem dinâmicas e demandas atitudinais diferentes”, diz Káthia.
Além de promover a consciência de coletividade, a coordenadora assistente Adriana Cardoso diz que essas assembleias são entendidas como fatores de proteção a casos de desentendimento ou desrespeito entre colegas, pois “fortalecem a autoimagem, a autoestima e a autonomia dos alunos para lidar com seus problemas” – ao menos, para não dependerem dos pais e buscarem ajuda com os adultos da escola.
Segundo Káthia Kobal, tais competências são essenciais à força do ensino do Vital. “Ensino forte, nessa fase, não é equação de segundo grau”, brinca a coordenadora, ressaltando, porém, que aprender a conviver é uma das bases em que o futuro acadêmico do aluno se assenta. “Tudo isso também é pedagógico”.